Temos em mãos um texto distribuido pelo site LIVROS GRÁTIS. A apresentação, evidentemente feita sob a ignorância e estreiteza dos chavões bolchevistas, comete logo na saída uma tremenda confusão resultante do desconhecimento de História das Ideologias, dizendo que "A Utopia é uma crítica fundamentada do regime burguês" e logo em seguida afirma que o autor apresenta "um espelho das injustiças e misérias do Feudalismo". Me desculpem, mãs são duas coisas opostas... O espelho que ele possuia nessa data era a Inglaterra sob Henrique VII, onde tudo era de propriedade da nobreza e do clero. O autor da Utopia divergiu do rei Henrique VIII de quem era chanceler e acabou condenado e decapitado.
Não esqueçamos que "burgueses" eram os habitantes dos Burgos, fugidos dos Feudos, recusando ser servos da gleba para viver de suas artes, ofícios, profissões liberais, transportadores, estudiosos, viajantes, comerciantes. Toda a luta subsequente é a Revolução Burguesa, que Marx reconheceu que tem vocação Universal e só vai parar quando atingir a Terra toda. A essência dessa revolução é buscar o mais possível aproximar-se de um "ideal" que chamamos "Democracia", onde se cultive a Verdade, o direito de ir e vir livremente para prosperar, haja respeito a quem tem mérito e, em consequência, seja respeitada a propriedade honestamente conquistada com esse mérito. E a essência da contra-revolução Feudal é restaurar a hierarquia impondo a volta de todos à servidão total, onde grandes "donos de tudo" extraem tudo da massa ignorante que escravizam.
Conta ele em sua ficção que foi informado destes dados por um sábio viajante naufragado nas costas da Pérsia e que vive um tempo como hóspede em um reino (polileritas) de nome Utopia.
LIVRO PRIMEIRO - Faz uma curta Introdução num diálogo onde o narrador informa: Na Utopia, as leis são pouco numerosas; a administração distribui indistintamente seus benefícios por todas as classes de cidadãos. O mérito é ali recompensado; e, ao mesmo tempo, a riqueza nacional é tão igualmente repartida que cada um goza abundantemente de todas as comodidades da vida.
Aí Morus contra-argumenta: Longe de compartilhar vossas convicções, penso, ao contrário, que o país em que se estabelecesse a comunidade de bens seria o mais miserável de todos os países. Com efeito, como produzir para as necessidades do consumo? Todo mundo fugiria do trabalho e descansaria dos cuidados com sua existência mantida sobre o trabalho dos outros. E, mesmo que a miséria perseguisse os preguiçosos, desde que a lei não mantém a propriedade de cada um, a rebelião rugiria, sem cessar, esfomeada e ameaçadora, e a matança ensangüentaria vossa república. Que barreira oporíeis à anarquia?
Rafael, o narrador argumenta que esteve nessa ilha e conclui, para convencer Thomas a ouvir:"o que lhes dá a superioridade do bem-estar material e social, embora os igualemos em inteligência e riqueza, é essa atividade do espírito dirigida incessantemente para a pesquisa, aperfeiçoamento e aplicação, das coisas úteis".
O LIVRO SEGUNDO começa descrevendo fisicamente a ilha, depois faz um relato histórico sobre a conquista da terra por um sábio (Utopus) que dá origem ao sistema perfeito.
Eis o trecho inicial que lhe dá a sua fama:
"A família agrícola se compõe pelo menos de quarenta indivíduos, homens e mulheres, e de dois escravos. Está sob a direção de um pai e de uma mãe de família, pessoas graves e prudentes. Trinta famílias são dirigidas por um filarca. Todos os anos vinte cultivadores de cada família regressam à cidade; são os que terminaram seus dois anos de serviço agrícola. São substituídos, então, por vinte indivíduos que ainda não serviram. Os recém-chegados recebem instrução dos que já trabalharam um ano no campo, e, no ano seguinte, se tornam instrutores por sua vez. Assim os cultivadores não são, nunca, todos de uma vez, ignorantes e novatos, e a subsistência pública não tem nada a temer da imperícia dos cidadãos Os utopianos convertem em pão os cereais; bebem o suco da uva, da maçã, da pêra; bebem também água pura ou fervida com mel e alcaçuz, que possuem em abundância. A quantidade de víveres necessária ao consumo de cada cidade e de seus territórios é determinada da maneira mais precisa. Não obstante, os habitantes não deixam de semear o grão e criar gado, muito além das necessidades do consumo. O excedente é posto em reserva, para os países vizinhos. Os habitantes da Utopia aplicam aqui o princípio da posse comum. Para abolir a idéia da propriedade individual e absoluta, trocam de casa todos os dez anos e tiram a sorte da que lhes deve caber na partilha. Os habitantes das cidades tratam de seus jardins com desvelo; cultivam a vinha, os frutos, as flores. e toda a sorte de plantas. Põem nessa cultura tanta ciência e gosto que jamais vi em outra parte maior fertilidade e abundância combinadas num conjunto mais gracioso. Não é o prazer o único motivo que os incita à arte da jardinagem; há emulação entre os diferentes quarteirões da cidade, que lutam à porfia por quem terá o jardim mais bem cultivado. Na verdade, nada se pode conceber mais agradável, nem mais útil aos cidadãos que esta ocupação".
Prossegue um capítulo sobre ARTES E OFICIOS onde continua elogiando a agricultura, inclui feitura de roupas (todas iguais), mostra divisão do tempo entre o trabalho e o estudo, mas já separa alguns para cultivar as letras... Prossegue:"se a ilha inteira se visse sobrecarregada de habitantes, seria decretada a emigração geral. Os emigrantes iriam fundar uma colônia no continente mais próximo, onde os indígenas dispõem de mais terreno do que cultivam. A colônia se governa segundo as leis utopianas, e chama a si os nativos que queiram partilhar de seus trabalhos e gênero de vida".
Aí começa algo estranho: "se os colonos encontram uma nação que repele as leis da Utopia, eles expulsam esta nação da região do país que querem colonizar, e, se preciso, empregam, para tal, a força das armas"... E conclui esse capítulo com hospitais perfeitos, onde tudo estaria resolvido sobre saúde.
Passa a um capítulo sobre VIAGENS DOS UTOPIANOS, onde garante que, "havendo autorização legal para viajar, a família em viagem recebe de graça tudo que necessitar pelas outras cidades da ilha e no exterior, até voltar". Conta: "Exportam-se para fora da ilha os gêneros supérfluos, tais como trigo, mel, lã, linho, madeiras, matérias para tinturas, peles, cera, sebo, animais. A sétima parte dessas mercadorias é distribuída aos pobres do país para onde se exporta; o resto é vendido a um preço moderado. Este comércio permite à Utopia importar não somente objetos de necessidade, o ferro, por exemplo, como, também, uma massa considerável de ouro e prata. Desde que os utopianos praticam este negócio que acumularam uma quantidade incrível de riquezas".
Eis outra loucura: "Estas riquezas são destinadas a engajar e a pagar copiosamente as tropas estrangeiras; porque o governo da Utopia prefere expor à morte os estrangeiros que os seus cidadãos". E mais isto: "o ouro e a prata são destinados aos usos mais vis, tanto nas residências comuns, como nas casas particulares; são feitos com eles até os vasos noturnos. Forjam-se cadeias e correntes para os escravos, e marcas de opróbrio para os condenados que cometeram crimes infames. Estes últimos levam anéis de ouro nos dedos e nas orelhas, um colar de ouro no pescoço, um freio de ouro na cabeça. Assim, tudo concorre para manter o ouro e a prata na ignominia".
Inclui nesse capítulo mais algo sobre as crenças espirituais dos utopianos e seu interesse por leituras, tendo recebido do narrador em viagem livros clássicos gregos e romanos que muito teriam apreciado... e não conheciam!
Agora traz um texto sobre os ESCRAVOS, garantindo que nem todos os prisionerios de guerra são feitos escravos... Conta ainda que vão comprar para escravos os criminosos condenados dos povos vizinhos e que os nativos utopianos criminosos são os escravos mais duramente tratados. Conclui que "Os povos vizinhos invejam o governo desta ilha afortunada e vão pedir na Utopia magistrados para um ou cinco anos".
DA GUERRA é o capítulo que se segue, mais duro de engolir: "alugam soldados de todos os países e principalmente do país dos zapoletas, situado a leste da Utopia, numa distância de quinhentos mil passos. O zapoleta, povo bárbaro, feroz e selvagem, não sabe viver senão no meio das florestas e rochedos em que foi nutrido. Calejado na fadiga, suporta pacientemente o frio, o calor, o trabalho. As delícias da vida lhe são desconhecidas; menospreza a agricultura, a arte de bem morar e de bem vestir. Não possui outra indústria que a criação dos rebanhos, e, as mais das vezes, não conhece outros meios de vida além da caça e da pilhagem. Nascidos exclusivamente para a guerra, os zapoletas procuram avidamente e não perdem nenhuma oportunidade de fazê-la; então descem aos milhares das montanhas e vendem a baixo preço seus serviços à primeira nação que deles necessita. Este povo faz a guerra pelos utopianos, contra todo o mundo, porque em parte alguma encontra melhor pagamento. De seu lado, os utopianos, que tratam a gente séria convenientemente, ajustam com muito gosto essa infame soldadesca para enganá-la e destruí-la. Quando precisam dos zapoletas começam por seduzi-los com brilhantes promessas; depois expõem-nos sempre nos postos mais perigosos. A maior parte perece e não volta para reclamar o que se lhes prometera; os que sobrevivem recebem exatamente o preço convencionado".
RELIGIÓES DA UTOPIA - As religiões, na Utopia, variam não unicamente de uma província para outra, mas ainda dentro dos muros de cada cidade. De resto, apesar da diversidade de suas crenças, todos os utopianos concordam numa coisa: que existe um ser supremo, ao mesmo tempo Criador e Providência". Acrescenta descrição sobre meditação e silêncio nos templos. Conclui com observações sobre existência de materialistas também na Utopia e que são desprezados e afastados de todos os direitos.
Por fim, Thomas Morus comenta: "Algumas coisas me pareceram absurdas nas leis e costumes utopianos, tais como seu sistema de fazer a guerra, o culto, a religião e várias outras instituições. O que sobretudo transtornava todas as minhas idéias era o alicerce sobre que foi erguida esta estranha república, quero dizer, a comunidade de vida e de bens, sem tráfico de dinheiro... esta comunidade destrói radicalmente toda nobreza e magnificência, todo esplendor e majestade - coisas que, aos olhos da opinião pública, fazem a honra e o verdadeiro ornamento de um Estado".
NOSSOS COMENTÁRIOS - Sobre escravos... Como é mesmo? A "ilha do governo perfeito" está cheia de escravos? E eles carregam pesadas correntes e joias de ouro e prata, com pedrarias... como símbolos de sua inferioridade? E, trazidos das guerras ou comprados de outros países, raramente se tornarão cidadãos.
Sobre as guerras - A ilha do governo perfeito "Utopia" tem todos seus habitantes sempre treinados para combate. Contrata mercenários de povo inferior. Coloca esses guerreiros em situações que resultem em morte para não ter que pagar-lhes? Traz os prisioneiros vencidos como escravos.
Quando Morus escreveu, era 1530 anos depois de Jesus Cristo haver ensinado o amor ao próximo, 2030 anos depois de Buda e de Lao Tsé. Tinha ele como experiência ter vivido entre a mais torpe nobreza da Inglaterra, dos tempos de Henrique VII e foi chanceler de Henrique VIII que mandou executar Ana Bolena sua esposa e depois o próprio Thomas em 1532. O Diálogo sobre "A República" de Platão, escrito antes de Alexandre, o Grande, possui pelo menos o sonho de que os povos sejam governados por filósofos. E a Utopia elege por forma indireta uma estrutura que copia o Feudalismo bem mais do que o sonho da Democracia. As virtudes sonhadas pelos futuros idealistas dos Direitos Humanos, nem de longe despontam nessa ficção. Estão quase invisíveis os direitos à Verdade, à prosperidade, respeito ao mérito e à propriedade, que são a verdadeira mola que incentiva dando prêmio a quem traz o melhor. Pouco depois dele há a fuga do navio My Flower... Bem depois esses pouco utópicos e bem práticos proclamam os direitos democráticos... E corre mundo a lenda do Eldorado... Indígenas de mais de mil povos da América vão sendo encontradas...
Neste sentido, o sonho de liberdade das nações indígenas chamadas "primitivas", das florestas brasileiras são superiores, mas ainda não eram conhecidas na Europa.
A aldeia evita grandes populações, impede instalarem chefes com muito poder, reconhecem às gerações em sucessão a necessidade de aprender quando novos, para assumirem a maioridade e depois de prova coletiva de participação festiva, esses maiores assumem a reponsabilidade pela aldeia. Estes chamam a seus povos de "homens de verdade", frente aos invasores brancos "não sérios". O uso coletivo das terras, a participação festiva de resultados de caça, não exclui a apropriação por grupo familiar de sua residência e das plantações. A defesa, raramente obriga a iniciar ataque contra inimigos e não escravizam nem aceitam ser escravizados, como regra geral.
Thomas Morus e toda sua época mais a Utopia, não conhecem nem a Educação, nem a Reciprocidade. E já ia longe a informação de Jesus Cristo: Conhecereis a Verdade (sobre o domínio das Trevas sobre os homens) e a Verdade vos libertará desse domínio.
Bem melhor do que o "sonho" (pesadelo, diríamos hoje) de Thomas Moore temos hoje os computadores para ajudar a descobrir que as riquezas e o conhecimento humanos são produzidos e os automatismos tirarão da escravidão a todos...
E isto não é mais "utópico"...
Leia:
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