CARTA PARA RESPONDER AO PAPA FRANCISCO SOBRE FRUSTRAÇÃO.
Gheula Canarutto Nemni é uma educadora e escritora que
vive em Milão, Itália.
Seu livro mais recente é (No) si puo avere tutto. (Não)
se pode ter tudo.
COMENTARIO PRÉVIO - MS - NÃO FALAREI NADA A
MAIS. NESTE BLOG TENHO DOIS ARTIGOS SOBRE INTELIGÊNCIA JUDAICA. HÁ MUITO, SIM,
PARA CALAR!
Mondadorid 2015.
Caro Papa Francisco,
No apelo apaixonado pela justiça social que Sua
Santidade fez em um discurso aos parlamentares Quenianos em Nairobi na semana
passada, S. S. afirmou que "a violência, os conflitos e o terrorismo...
são alimentados pelo medo e desespero ... nascido de pobreza e
frustração."
No entanto, nada, nem mesmo desespero, pode justificar
o terrorismo.
As raízes do terrorismo residem apenas na educação
baseada em ódio. Nós Judeus temos muita experiência com desespero. Mas a nossa
história mostra outras maneiras mais construtivas de lidar com ele. O desespero
jamais foi uma justificativa para que os Judeus cometam atos violentos em nome
da nossa religião.
Fomos levados, acorrentados, em desfile pelas ruas de
Roma enquanto o nosso Santuário em Jerusalém ardia em chamas. Fomos atirados em
anfiteatros onde leões famintos e espectadores ansiosos esperavam por nosso
sangue. Fomos queimados em autos-de-fé, fomos chamados marranos (NT: porcos),
nos foi proibido acender nossas velas e também as orações em nossa língua
ancestral foram proibidas. Fomos expulsos da Espanha. Vagamos por muitos países
à procura de um novo lar.
Fomos massacrados em pogroms, nossas sinagogas foram
destruídas, nossos filhos alistados forçosamente em exércitos dos quais eles
nunca voltaram. Fomos privados de nosso direito ao trabalho, à propriedade, ao
voto e até a falar. Nos foi roubada a dignidade que todo ser humano deve
desfrutar por direito, simplesmente por nascer.
Nossos dentes de ouro foram arrancados de nossas bocas
e nossos braços marcados como se fôssemos animais enviados ao matadouro.
Foi-nos dito "Volte para a sua terra natal" e agora que estamos casa
eles nos dizem "Caiam fora daí".
Nós, Judeus, somos uma parte indissolúvel do tecido
histórico do nosso mundo. A presença Judaica é o fio comum na maioria dos
países do globo. Em todo lugar da terra onde chegamos, nós produzimos poetas,
matemáticos, físicos, escritores, políticos, cientistas, médicos, inventores.
Mesmo quando fomos trancafiados em guetos nunca paramos de escrever, pensar,
discutir, produzindo o bem. Nós nunca colocamos nossas vidas em modo de espera,
nem mesmo por pouco tempo.
Apesar de tudo isso, não ficamos cobrindo as cabeças
com cinzas por milhares de anos. Nós carregamos o nosso destino em nossos
ombros e amarramos a herança dos nossos antepassados aos nossos corações e
fomos à procura de um novo lugar onde se pudesse respirar novamente.
Se você é ensinado que cada instante na terra é a
maior riqueza que você possui, e que a vida é o dom mais precioso que você
recebeu ao nascer, não há nem tempo nem vontade de chafurdar na auto piedade. E
não há espaço para o ressentimento.
Voltamos, sem nossos pais, nossos irmãos, nossos
filhos, nossos maridos e esposas, para a Alemanha, Itália e França. Nós ficamos
embaixo das janelas de nossas casas olhando para estranhos em que agora vivem
em lugares que nos pertenciam antes da guerra. Arregaçamos as mangas, revelando
números tatuados com fogo em nossos braços, e começamos tudo de novo, do zero.
Os países interessados em ondas de migração devem
estudar a história Judaica e o nosso modelo de integração. Em cada novo lugar
que chegamos, mantivemos a nossa regra de ouro: Nunca escorregar em nossas
lágrimas.
Nós não ficamos esperando por compaixão dos países que
abriram as suas fronteiras para nós. Nós tentamos, desde o início, nos integrar
no tecido social do lugar que estava nos acolhendo. E enquanto lhes
agradecíamos, contribuímos com nossos talentos para o desenvolvimento e
progresso, nosso e deles.
Há aqueles que usam o desespero como uma justificativa
para assassinar inocentes. E há aqueles que põem o desespero de lado,
trancando-os na gaveta da memória, e tentam subir de volta ao topo, focando em
novas oportunidades.
Caro Papa Francisco, Secretário John Kerry, Hillary
Clinton, e centenas de pessoas influentes do mundo que estão à procura de uma
razão, por um motivo, por trás da transformação dos indivíduos em estilhaços
letais. Ainda que vocês tenham pesquisado as vidas pessoais, trágicas destes
assassinos (embora na maioria dos casos, eles vivam exatamente no mesmo padrão
daqueles na sociedade que os rodeia), ainda que eles realmente tenham uma vida
difícil, nada, nada, pode justificar uma ato de violência cega contra outro ser
humano. Nada, nada, pode justificar o privar um indivíduo de outro amanhã.
Buscar alguma justificativa significa apenas uma coisa: preparar o solo para o
próximo ato brutal, D'us nos livre.
A História nunca maltratou uma nação mais do que vem
maltratando o povo Judeu. Mas em todos os lugares aos quais o vento de ódio já
nos transportou, nós temos nos integrado, aprendemos a língua local, recitando
de cor Whitman, Eliot e Dickinson (NT: cantando Chico Buarque, comendo arroz e
feijão,torcendo fervorosamente pela seleção). Nós inventamos o cheesecake
pareve. A integração é algo que você tem que querer e tem de trabalhar todos os
dias.
Jamais exigimos do lugar que nos acolheu para se
adaptar às nossas regras. "Dina demalchuta dina" - a lei da terra
deve tornar-se a sua lei também - diz o Talmud. Integração real, mesmo para o
povo mais desesperado, pode ser realizada. Mas isso depende, em primeiríssimo
lugar, dos valores transmitidos pela religião, pelas famílias e pelos
professores daqueles que acabaram de chegar. E isso depende da vontade de se
tornar parte da sociedade de uma forma construtiva e positiva.
Tradução: Marcos L Susskind
NT (1) - O texto é para ser lido e relido. Uma
verdadeira "aula" sobre a distinção necessária entre desespero e
frustração versus recurso ao terrorismo. Em minha opinião, a carta não deveria
ser endereçada ao Papa Francisco, um verdadeiro amigo dos Judeus e um ser
humano tolerante. Mas o texto é excepcional
NT (2): A educação para o ódio é mais fácil que a
educação para a tolerância. No entanto a educação para o ódio suprime a
coexistência, atrasa o progresso do imigrante e também das sociedades que o
acolhe! É possível integrar-se mantendo suas tradições, sua fé de seus
costumes. Há 2000 anos os Judeus vêm mostrando isto em lugares tão díspares
como França e México, Índia e Brasil, Zaire e Costa Rica, EEUU e Ucrânia)