quinta-feira, 28 de setembro de 2017

SONHO AMERICANO PARA TODOS? OU ESQUERDAS DESTRUIRÃO TRUMP?

AMERICAN DREAM
Da violência doméstica no Pará à universidade nos EUA: a saga de uma jovem brasileira na mira da deportação
Estudante Valéria do Vale, que se diz sentir 'americana', está entre grupo de 7,4 mil jovens brasileiros beneficiados por programa revogado por governo Trump e que agora correm risco de serem obrigados a deixar o país.
BBC BRASIL.com - 28 SET/2017  08h43 atualizado às 08h48
A decisão do presidente americano Donald Trump de revogar as autorizações de moradia e trabalho dadas por Barack Obama a mais de 750 mil crianças e adolescentes que entraram ilegalmente nos EUA, trouxe à tona histórias dramáticas sobre o futuro de mexicanos e centro-americanos - principais beneficiados pelo Daca (Deferred Action for Childhood Arrivals), um programa criado em 2012 para regularizar a situação destes jovens, conhecidos como "dreamers" (ou sonhadores).
Valéria cresceu sob o medo constante de ser deportada | Foto: Arquivo pessoal
Mas o futuro é incerto não apenas para eles. Desde a revogação do decreto, em 5 de setembro, o grupo formado por 7,4 mil "dreamers" nascidos no Brasil, segundo os dados oficiais mais recentes (junho de 2017), voltou a dormir e acordar com o fantasma de oficiais de imigração batendo na porta com ordens de deportação.
A maioria mal fala português, nunca voltou ao Brasil e cresceu cercada por referências americanas - dos livros e colegas de escola, às comidas e aos programas favoritos de TV.
O Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking de países de origem mais atendidos pelo Daca. No topo estão México (622,7 mil beneficiários), El Salvador (28,5 mil) e Guatemala (20 mil).
Os opositores do programa argumentam que ele dá anistia a imigrantes ilegais, autorizando estrangeiros irregulares a disputarem postos de trabalho que poderiam ser ocupados por americanos ou imigrantes em situação regular. Defendem também que, quem desrespeitou a lei, não deve se beneficiar de políticas lenientes. Alguns alegam ainda que esses filhos de imigrantes não são confiáveis e oferecem risco à segurança nacional.
Já quem o defende afirma que o Daca apenas evita a deportação imediata, sem garantir residência permanente ou cidadania futura. Seria uma forma de assegurar condições minimamente decentes a pessoas que não escolheram atravessar a fronteira de forma irregular - e que comprovaram que estudam e não têm antecedentes criminais.
A iminência da deportação para um passado distante ou praticamente inexistente (muitos vieram para os EUA ainda bebês de colo) reacende traumas antigos - como os da estudante Valéria do Vale, que chegou aos Estados Unidos aos 7 anos, fugindo com a mãe e a irmã da pobreza e da violência doméstica no interior do Pará.
"Você era tão pequena. Deve ser difícil se lembrar do que aconteceu naquele dia, não?", pergunta a BBC Brasil à estudante, que na noite da travessia foi separada da família e entregue a estranhos para cruzar um rio na fronteira entre México e Estados Unidos, no fim de 2004.
"Lembro de cada segundo como se fosse hoje", responde a estudante de ciências políticas de 19 anos.
Depois de guardar o segredo de sua ilegalidade por 12 anos e enfrentar preconceito de onde menos esperava ("sempre ouvi histórias de brasileiros que delatavam brasileiros para a imigração"), hoje, Valéria é a primeira pessoa da família a chegar à universidade, graças ao Daca.
O caminho até chegar aos EUA
"Não tem como entender algo que você nunca viveu", adverte a estudante, enquanto conta sua história.
Após seguidas agressões do ex-marido e sem perspectivas de trabalho na pequena cidade de Jacundá, a 400 km de Belém (PA), a mãe de Valéria decidiu recomeçar com as duas filhas, então com 7 e 1 ano e meio de idade, nos Estados Unidos, onde a irmã já vivia legalmente.
"Minha mãe era vítima de violência doméstica. Em uma cidade pequena como Jacundá, não tem para onde ir. Não tem para onde crescer. E não tem lei", diz a atual moradora de Boston (Massachusetts).
Após ter o pedido regular de visto recusado, a família decidiu voar para o México. "O oficial (do consulado americano) viu que meu pai não viajaria e negou nosso visto. Aí minha mãe decidiu cruzar a fronteira (do México aos EUA). Nenhuma de nós sabia bem o que isso significava", lembra Valéria, que intercala um português com sotaque americano com termos em inglês, como "you know" (sabe?) ou "whatever" (tanto faz).
"No México, passamos uma semana dentro de uma casa com um bocado de gente. Os coiotes (agentes ilegais que transportam imigrantes em condições precárias) ensinavam a gente o que teríamos que falar depois de cruzar."
"Ensinavam o quê?", pergunta a reportagem. "Eles formavam famílias de pai, mãe e filho. Então, a gente tinha que combinar para poder falar sobre um passado que não existiu. Como éramos três mulheres, me separaram de minha mãe e minha irmã, que era um bebê, e eu fui com desconhecidos", lembra a estudante.
Ela continua: "Fiquei num deserto um dia inteiro, cruzamos o rio e eu pensei que fosse me afogar. Fui nas costas da 'esposa' e a água estava no pescoço dela. Muito traumático."
Recebida por outros coiotes já nos Estados Unidos, Valéria ficou 20 dias sem ter notícias da mãe e da irmã.
"Foi bem emocionante encontrá-las de novo. Quando se cruza a fronteira, muita coisa pode acontecer. Tem o calor, tem fome e sede, tem gente sequestrada… Ela estava muito preocupada."

Nenhum comentário: