QUEDA DO AIRBUS
320 POR DECISÃO DO COPILOTO
A normalidade do mal
Há que rever os procedimentos que garantem a segurança aérea, mas não há
mecanismos infalíveis contra o livre arbítrio.
Ainda é cedo para se saber, com absoluta certeza, as causas do acidente
aéreo que vitimou uma centena e meia de pessoas, mas já é possível afirmar que
este desastre da aviação comercial se ficou a dever a uma falha humana. De
momento, tudo leva a crer que o co-piloto, Andreas Lubitz, de 28 anos, accionou
o mecanismo que precipitou o avião da Germanwings no solo, causando a morte
imediata de todos os seus ocupantes.
Ante estes factos, ainda sujeitos a confirmação, a pergunta surge
espontânea: porquê? Que razão pode ter um acto de que resultaram tantas mortes
inocentes? Como explicar esta tremenda catástrofe? A recusa em aceitar o que
parece ser por demais monstruoso e irracional, leva à procura de causas que
permitam entender o estranho comportamento do co-piloto. A aparente normalidade
de Lubitz não logra explicar o que é inexplicável e, por isso, é provável que a
investigação não cesse enquanto não identificar uma razão, um motivo ou, pelo
menos, um pretexto que seja minimamente plausível. Mas, tem de haver algum?!
Quando um bispo polaco, Kazimierz Majdanski, foi convidado a pôr por
escrito a sua experiência como recluso, ainda sendo seminarista, nos campos de
extermínio de Sachsenhausen-Oranienburg e Dachau, sublinhou que o seu
testemunho não era contra os seus carrascos ou a nação germânica, mas antes uma
chamada de atenção em relação a uma terrível realidade ocorrida em pleno século
XX, talvez no país mais culto do continente mais desenvolvido do mundo. Ou
seja, os campos de concentração nazi são um exemplo dramático e real dos
extremos a que pode chegar o ser humano, qualquer que seja a sua cultura, o seu
estado psicológico ou as suas condições socio-económicas.
Seria muito vantajoso, excepto para a Germanwings, encontrar uma causa
técnica para esta tragédia. Seria consolador para todos, sobretudo para os
familiares das vítimas, o reconhecimento de algum desequilíbrio psicológico de
Andreas Lubitz. Porém, pode acontecer que não haja nada que explique o que
aconteceu, nenhum bode expiatório para o qual se possa, comodamente, transferir
esta imensa culpa. É possível que se trate de uma acção consciente e deliberada
de uma pessoa perfeitamente normal, sem dificuldades económicas nem carências
afectivas. Não é preciso pertencer a uma minoria étnica, ser militante de um
movimento terrorista, ser economicamente carenciado ou ter alguma doença
psíquica, para cometer um crime destas proporções. Basta ser alguém e ter esse
poder. Pode não ter acontecido num instante de loucura, mas num momento de
perfeita lucidez. E é isto, precisamente, que é aterrador.
Hannah Arendt teve a coragem de dizê-lo: muitos dos responsáveis pelo
extermínio de milhões de judeus, católicos, ciganos, etc., não eram monstros,
nem vampiros ou dráculas. Eram funcionários, alguns até com estudos superiores,
e “bons pais de família”. E, no entanto, foram os executores do holocausto.
Ante uma calamidade destas dimensões, importa prestar homenagem às
vítimas e dar todo o apoio às suas famílias. Eventualmente, convirá rever os
procedimentos que garantem a segurança aérea, mas não há mecanismos infalíveis
contra o livre arbítrio. Por maiores que sejam os avanços técnicos em matéria
securitária, a liberdade humana poderá sempre encontrar formas de fintar essas
medidas e lograr a realização de calamidades, como a que agora vitimou cento e
cinquenta pessoas.
O mal não está nos outros, mas em nós, em cada um de nós. A fronteira
que separa o bem e o mal não é uma linha que opõe alguns homens, os bons,
contra outros homens, os maus, mas um traço que passa pelos corações de todos
os seres humanos, sem excepção. Todos somos capazes do melhor e do pior.
Mais do
que tentar resolver estes casos com meios técnicos cada vez mais sofisticados,
há que investir na formação moral dos cidadãos. Sem uma forte consciência ética
e social, o ser humano torna-se, como dizia Hobbes, num lobo para o próprio
homem, num predador dos seus semelhantes.
Sacerdote católico
COMENTANDO
ESTE CLÉRIGO PORTUGUÊS ESTÁ TRAZENDO O QUE É EVIDENTE: ANTES DE
QUERER CONDENAR OU CERCEAR POR MEIOS MATERIAIS, TEMOS QUE INVESTIR NA FORMAÇÃO
MORAL DOS CIDADÃOS. Tenho publicado neste BLOG alguns estudos do GEA que nos
mostram que há que investir na educação pré-natal, pois os traumas e as memórias
positivas do tempo da gestação marcam de modo permanente os comportamentos
futuros do ser humano. A seguir é necessário haver educação fundamental de
qualidade, pois desde o tempo da pré-alfabetização podem ser formados bons hábitos
de comportamento recíproco, e na escola formal é importante que se estabeleçam
regras de convivência, além de ensinos concretos para cuidados pessoais com
saúde, responsabilidade pelo bom uso de todas as coisas e noções de realização
material com poupança pessoal em permanente aprendizado por toda a vida.