Posted: 25 Jun 2013 02:59 PM PDT
É fácil aceitar a
desigualdade, a corrupção e a insegurança quando não existem termos de
comparação
1. Raramente escrevo sobre o Brasil no Brasil. Questão de cortesia. Sou
convidado do país e um convidado não critica os anfitriões. Exceto quando os
anfitriões deixam de ser assunto doméstico e viram fenômeno internacional.
2. Ironia. Quinze dias atrás gravei um podcast para esta
Folha no qual dizia: as grandes rebeliões da história começam quase sempre
por episódios anedóticos. A minha atenção estava na Turquia e na ambição de
Erdogan em arrasar com um parque em Istambul para construir um shopping. Deu
no que deu.
Quando debitava estas sábias linhas, nem reparei que São
Paulo marchava contra aumentos nos transportes. Deu no que deu.
3. Historicamente, o melhor exemplo de um episódio
anedótico que precipitou uma revolução encontra-se nos Estados Unidos. No
século 18, os colonos americanos não desejavam “criar” um país. Queriam, mais
modestamente, não pagar impostos à metrópole britânica, uma vez que não
estavam representados no Parlamento de Londres (“no taxation without
representation”). Foi a intransigência do rei inglês que mudou a história
moderna.
4. Dilma parece ter alguma intuição histórica (ou será
apenas bom senso?) ao não ter subido a parada da repressão. Sobretudo quando
se confrontou com as consequências desastrosas das primeiras investidas
policiais. Um gesto inteligente que distingue o Brasil do autoritarismo
turco.
5. Dilma discursa ao país. Promete escutar todo mundo,
investir mais em educação, importar médicos etc. Mas o que pensam os
brasileiros quando a presidente nada diz sobre o “pibinho pequenininho”, a
inflação que não desce, a queda do investimento (sobretudo estrangeiro), a
perda de competitividade”¦ [continua].
6. Portugal construiu dez estádios “padrão Fifa” para a
Eurocopa de 2004. Sete anos depois o país estava falido. A Grécia cometeu
iguais loucuras para as Olimpíadas do mesmo ano. Teve a honra de falir
primeiro. Lição? Grandes acontecimentos desportivos nem sempre dão o retorno
esperado.
7. Comparações entre o Brasil e a Europa não funcionam?
Duvido. Começo pela economia: o desastre português não se deveu apenas aos
dez fatídicos estádios, que na sua maioria hoje apodrecem ao sol.
Começou com a pior combinação econômica possível: juros
baixos (com o euro), endividamento explosivo (Estado, empresas, famílias) e,
golpe de misericórdia, crescimento econômico medíocre (uma década perdida
abaixo de 1%). Soa familiar?
8. Na crise europeia, existe um bloqueio político
evidente: as populações não confiam nos governos, mas também não confiam nas
oposições. Assim é na Grécia, em Portugal “” e, claro, na Itália, que quase
elegeu um comediante (Beppe Grillo, não Berlusconi). E no Brasil?
Suspeito que exista o mesmo bloqueio. O PT, tradicionalmente
a voz de protesto do sistema, é hoje governo. Donde, quem é a voz de
protesto? Quem não acredita no governo, normalmente acredita na alternativa
ao governo. Donde, onde está a alternativa?
9. Escrevo um diário desde os 16 anos. Procurei páginas passadas
das minhas viagens pelo Brasil. Reli-as. Pergunta recorrente: como é possível
às elites conviverem tranquilamente com a pobreza em volta?
Para certos espíritos, essa pergunta não é própria da
“direita”. Erro crasso. Não há nada que um conservador mais tema do que
situações potencialmente revolucionárias. E a melhor forma de as evitar é
seguir o velho conselho de Edmund Burke: para que o nosso país seja amado é
também preciso que ele seja amável.
10. Revoluções. Regresso aos Estados Unidos. A guerra da
independência não gerou apenas um país. Uma das consequências da guerra foi a
ruína financeira da França, que apoiou os colonos. Essa ruína seria uma das
causas da Revolução de 1789.
Mas existe outro legado revolucionário que os estudiosos
tendem a esquecer: os intelectuais e os soldados gauleses que participaram na
guerra viram no exemplo americano a medida da sua frustração caseira. Por
isso, pergunto: quantos daqueles milhares de brasileiros que tomaram
pacificamente as ruas não estudaram, trabalharam ou simplesmente se
informaram sobre o mundo exterior?
É fácil aceitar a desigualdade, a corrupção e a
insegurança quando não existem termos de comparação. Uma classe média mais
fluente e afluente começa a fazer comparações. Brindo a isso
João Pereira Coutinho – empresário (Unidas)
folha de são paulo
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