SOBRE
MARX E ENGELS
TRECHO DE ARTIGO DE NELSON RODRIGUES
“O VELHO”
Há três ou quatro dias, fui eu a um sarau político. Lá,
como no grã-finismo, o marxismo reinava. Cheguei disposto às provocações mais
sórdidas. Meus bolsos estavam entupidos de notas e escritos.
Reuni a fina flor da “festiva” e comecei: “venham ouvir
umas piadas bacanérrimas. Ouçam, ouçam!”. E, de repente, tornei-me
extrovertido, plástico, histriônico, como um camelô da rua Santa Luzia.
Promovia ideias como quem vende laranjas,
canetas-tinteiro, pentes, isqueiros, calicidas, e abridores de lata.
Logo juntou gente. E comecei a ler frases de recente leitura: - “O imperialismo é a tarefa dos povos dominantes – Alemanha, França, Inglaterra, Estados Unidos”. Estes últimos “eram o país mais progressista do mundo”. “Contra o imperialismo russo, a salvação é o imperialismo britânico”.
Outra: - “O defeito dos ingleses é que não são bastante
imperialistas”. Quanto à história, “avança de leste para oeste”. O colonialismo
é progressista porque os povos domináveis e colonizáveis só têm para dar “a
estupidez primitiva”. O budismo é “o culto bestial da natureza”.
E que dizer da China? É uma “civilização que apodrece”. Por outro lado, a vitória dos Estados Unidos sobre o México, em 1848, foi uma felicidade para o próprio México. Dizia o autor, que eu citava: - “Presenciamos a conquista do México e regozijamo-nos, porque este país, fechado em si mesmo, dilacerado por guerras civis e negando-se a toda evolução, foi precipitado violentamente no movimento histórico. No seu próprio interesse, terá de suportar a tutela que, desde esse momento, os Estados Unidos exercerão sobre ele”.
Por outro lado, é maravilhosa a sujeição da Índia à Inglaterra. “A Alemanha é um povo superior e os latinos e os eslavos, mera gentalha”. Ainda sobre os eslavos: - “Povos piolhentos, estes dos Bálcãs, povos de bandidos”. Os búlgaros, em especial, são “um povo de suínos” que “melhor estariam sob o domínio turco”.
Em suma: todos esses povos eslavos são “povos anões”,
“escórias de uma civilização milenar”. Mais ainda: - “A expansão russa para o
Ocidente é a expansão da barbárie” etc. etc.
Durante duas horas li para a “festiva”. Por fim, embolsei as notas e, arquejante, falei: - “Vocês ouviram. O autor ou autores citados já morreram. Quero saber se teriam coragem de cuspir na cova de quem escreveu tudo isso?”.
E outra pergunta: - “Quem pensa assim, e escreve assim, é
um canalha? Respondam”. Em fulminante e uníssona resposta, todos disseram: - “É
um canalha!”.
Ainda os adverti: - “Calma, calma... São dois, os autores!
Vocês têm certeza de que são dois canalhas? E canalhas abjetos?”.
Não houve uma única e escassa dúvida. Os marxistas ali
presentes juraram que os autores eram “canalhas” e abjetos. E, então, só então,
alcei a fronte e anunciei: - “Agora ouçam os nomes dos canalhas”. Pausa e
disse: - “Marx e Engels”.
Fez-se na sala um silêncio ensurdecedor. Repeti: “Marx e
Engels, os dois pulhas, segundo vocês”.
Tudo aquilo estava em 'Marx et la politique internationale', por Kostas Papaloanou, etc. etc. Os dois, Marx e Engels, eram paladinos fanáticos do imperialismo, do colonialismo, admiradores dos ianques, russófobos. Disseram mais: - “A revolução proletária acarretará um implacável terrorismo até o extermínio desses povos eslavos”.
Os marxistas que me ouviam eram poetas, romancistas, sociólogos, ensaístas. Intelectuais da mais alta qualidade. E entendiam tanto de Marx quanto de um texto chinês de cabeças para baixo. Eis a verdade: somos analfabetos em Marx, dolorosamente analfabetos em Marx.
Crônica publicada em O Globo em 3.05.1968
NO MESMO SENTIDO,
O Presidente Ronald Reagan disse em alto e bom som: "Os
socialistas são aqueles que leram Marx e Engels, ao passo que os
antissocialistas são aqueles que os compreenderam"!
E NÃO SE
ESQUEÇAM DE QUE ESTÁ COM TODAS AS LETRAS DENTRO DO TEXTO DE “O CAPITAL”:
“A única
revolução socioeconômica verdadeira foi a revolução burguesa, na qual os servos
da gleba dos castelos feudais abandonaram suas terras e foram morar nas
pequenas cidades (Burgos) onde passaram a trocar entre si produtos e serviços,
nos quais sempre existe a “mais valia”, que por eles é dividida entre
produtores e consumidores, enriquecendo a todos pelo processo da formação de
“capital”; essa revolução tem vocação universal e só vai parar quando atingir a
Terra toda”.
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